Embora já me tenha habituado à literatura digital, confesso que ainda gosto de sentir o cheirinho do papel impresso e da ginástica das falanges ao folhear. Na bagagem das férias há sempre espaço para alguns livros. É, portanto, uma altura em que gosto de ouvir um bom livro gritar por mim!
A surpresa deste verão fica registada pela lucidez de Pessoa. Sim, o poeta. Fernando Pessoa. Mas não é de poesia que vos vou falar, até porque, nem só de poesia vivia Pessoa. “Marketing em Pessoa” é uma publicação do IPAM que há muito estava esquecida na estante do meu escritório lá de casa e que este verão gritou por mim! E ainda bem que o fez, pois levou-me até a uma versão de Pessoa que eu ainda não conhecia e gostei muito de conhecer! Este livro apresenta uma coletânea de textos da sua autoria, alguns dos quais publicados na “Revista de Comércio e Contabilidade”, em 1926.
Sim, em 1926!
Partilho convosco um excerto de “Processos de Organização”, que, à feição da sua época, não podia ser mais atual. E genial também!
“A tendência moderna para a organização e coordenação, quanto possível perfeita, dos serviços de modo a tomá-los mais simples e mais rápidos, deu em resultado a invenção, constantemente crescente, de sistemas, processos, móveis e aparelhos diversa e diferentemente conducentes a esse fim. Alguns desses processos, desses móveis e dessas máquinas são muito engenhosos; quase todos são úteis ou aproveitáveis. Mas o emprego deles, sejam quais forem, deve obedecer sempre a um critério superior. Um sistema não é uma cabeça; um móvel não é gente. Todos os processos e todos os aparelhos resultarão elementos inúteis de organização se as cabeças dos indivíduos que os empregam não estiverem organizadas também. E essas cabeças estarão organizadas se estiver organizada devidamente a mesma parte do corpo do chefe que os dirige. Assim como se podem escrever asneiras com uma máquina de escrever do último modelo, se podem fazer disparates com os sistemas e aparelhos mais perfeitos para ajudar a não fazê-los. Sistemas, processos, móveis e máquinas, aparelhos são - como todas as coisas mecânicas e materiais - elementos puramente auxiliares. O verdadeiro processo é pensar; a máquina fundamental é a inteligência...”
Fiquei literalmente estupefacta com esta reflexão de Pessoa e rapidamente a relacionei com um artigo que li muito recentemente no "Harvard Business Review".
Em março deste ano, Behnam Tabrizi, Ed Lam, Kirk Gerard e Vernon Irvin, vêm dizer que “Digital Transformation Is Not About Technology”, tendo por base uma pesquisa junto de diretores, CEOs e executivos que deixam muito evidentes as suas preocupações com os riscos associados à transformação digital. 70% das iniciativas de transformação digital não atingiram os seus objetivos. Dos 1,3 trilhão de dólares gastos em 2018, 900 bilhões foram desperdiçados. A conclusão a que chegam é simples: se é certo que os gestores têm como objetivo aumentar o seu desempenho com recurso à tecnologia, é também necessário ter por base um “grupo pensante” de pessoas capazes de a criar, estruturar, desenvolver e implementar.
Estamos em 2019 e estávamos em 1926 quando Fernando Pessoa disse algo muito parecido numa simples reflexão!
Como diria o outro Fernando, o Pessa: “E esta, hein?!”
Boa rentrée a todos!
Aquele abraço,
Paula Ribeiro
Head of marketing and Communication at bloom up
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